Codelines
Sobre Deus ou sei lá o quê

Tenho sido agnóstico ao longo de toda a minha vida, mas venho pensando algumas coisas de uns tempos para cá que me fazem considerar a possibilidade de que todos nós façamos parte de um todo maior e inteligente que exista para além do que conseguimos ver nas nossas próprias existências. Uma entidade superior que abrigaria nela tudo o que somos, o que nossos antepassados foram e o que será dos futuros humanos que ainda vierem a existir. Algo que existiria em outras dimensões do espaço, que nossos sentidos não conseguem detectar, mas que faria de nossas individualidades projeções suas no espaço tridimensional que conhecemos.

Fazendo uma analogia com ilhas que se olhassem umas às outras só reconhecendo o que são acima do nível do mar, mas sem ter ideia de que suas existências se prolongam para baixo da água e se unem pelo leito marinho, sem que se vissem como partes e projeções deste vasto território submerso, começo a pensar que haja um espaço onde todos nós nos comunicamos uns com os outros e onde há uma reserva de poder e sabedoria acumulados ao longo de toda a história da humanidade. Fazendo um esforço para buscar a comunicação e harmonização com este todo, poderemos talvez contar com o auxílio dele para nos dar luz nos momentos de dificuldades, força para vencer obstáculos e, quem sabe, até impulsionar acontecimentos que nos ajudem quando tudo está desfavorável.

A forma de fazermos esta harmonização começaria por nos colocarmos à disposição do todo para que ele, na sua grande sabedoria, nos usasse para realizar seus propósitos maiores. Sendo partes integrantes dele, o que for bom para o todo também será bom para nós. Isto começa mudando o modo como nos olhamos uns aos outros que, ao invés de seguirmos nos vendo tão separados pelas nossas individualidades e interesses pessoais, passemos a nos vermos como irmãos e partes integrantes de algo maior e onde reside o que todos nós temos de superior.

À luz destas ideias, o problema maior da vida, que é a própria fonte de sentido para a palavra “problema”, ou seja, a morte, passa a ser apenas o recolhimento de uma projeção do todo que cada um de nós é neste mundo que conhecemos, mas sem que a pessoa desapareça, apenas siga sendo parte do todo em outras dimensões ocupadas por ele. Aquela consciência individual se mescla à consciência maior e não desaparece como pensamos ao vermos a morte de alguém. Pessoas que já morreram estariam existindo neste plano tendo levado com elas toda a sua sabedoria acumulada e que estaria à disposição da entidade total para interferir no comportamento e pensamento das suas projeções neste mundo, ou seja, em nós viventes. A morte seria algo análogo ao rebaixamento de uma ilha, que é a elevação de parte do leito marinho e que voltaria para o plano abaixo do nível da água sem, no entanto, deixar de existir. Buscando falar a esta entidade em pensamento e a todos que já morreram que estariam agora existindo nela, poderíamos talvez fortalecer gradualmente um canal de comunicação com ela.

Hoje, a ciência fala em outras dimensões do espaço além da altura, largura e profundidade que conhecemos. Desde que o astrônomo Edwin Hubble observou que as galáxias estão se distanciando de modo acelerado umas das outras e que não é possível encontrar um centro para esta expansão no universo tridimensional que conhecemos, os cientistas já começaram a supor que estejamos na superfície de uma hiperesfera em expansão e que ocuparia um espaço de quatro dimensões com seu centro nesta quarta dimensão. Por analogia com seres vivendo na superfície de uma bexiga sendo inflada, se fossemos estes seres, veríamos que todos os pontos da superfície da bexiga estariam se distanciando uns dos outros à medida que ela fosse inflada, mas não conseguiríamos encontrar o centro desta expansão na superfície já que ele estaria no interior da bexiga. Além desta teoria, hoje temos a Teoria das Cordas, que promete unificar a Teoria da Relatividade Geral, que trata das coisas imensamente grandes, e a da Mecânica Quântica, que explica o mundo das coisas inimaginavelmente pequenas. Pela Teoria das Cordas, tudo seria feito de minúsculos filamentos vibrantes e, dependendo da frequência destas vibrações, as coisas teriam estas ou aquelas propriedades. A Teoria das Cordas pressupõe que o espaço tenha dez dimensões.

Como vemos, é grande a possibilidade de haver um espaço capaz de conter muito mais do que nossos órgãos dos sentidos nos dão a ver, e isto combina com a possibilidade de sermos muito mais do que vemos em nós mesmos nesta vida. A consciência humana mesmo é um mistério, pois não é possível criar algo capaz de refletir a sua própria existência. Nós pensamos e sabemos que pensamos, somos nós os sujeitos das nossas ações. Um par de espelhos pode ser montado um de frente para o outro. Cada um refletirá sua própria imagem dentro do outro, mas os espelhos refletirão suas próprias imagens como se fossem quaisquer outras, não possuem identidade nem senso de interioridade, são pura exterioridade objetiva. Não que eu queira mistificar a consciência, mas ela me faz pensar que o entendimento da sua natureza exigiria uma revolução ainda maior do que a mera descoberta de novas dimensões do espaço.

Em fim, se somos aparentemente muito mais do que vemos, é de se supor que possamos estar vendo a vida que temos neste mundo como muito mais do que ela é de fato em importância. Talvez sejamos como as ilhas do exemplo acima e estejamos unidos num plano de existência muito maior e rico do que este que percebemos.